Quase que diariamente surgem novas tecnologias médicas que precisam ser avaliadas e aprovadas pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para que possam ser comercializadas no Brasil. Porém, essa aprovação não é suficiente para que o SUS ou o sistema privado de saúde as disponibilizem para os pacientes. É preciso passar por uma análise chamada ATS (Avaliação de Tecnologias em Saúde), que busca identificar o valor de cada tecnologia, ou seja, se ela adiciona benefícios significativos aos pacientes, ao mesmo tempo em que o seu custo pode ser suportado.
A principal agência que elabora estudos de ATS no Brasil é a CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde no SUS), um departamento do Ministério da Saúde. À CONITEC cabe a difícil tarefa de decidir o que pode ou não ser incorporado ao arsenal de alternativas do SUS, já sabendo de antemão que as altas necessidades populacionais e a baixa disponibilidade orçamentária criaram um modelo no qual as aprovações precisam se encaixar na viabilidade financeira do SUS, quando o ideal seria que o orçamento do SUS é que deveria ser ajustado de acordo com as necessidades da população. Talvez por isso os critérios aplicados pela CONITEC podem ser entendidos como mais restritivos do que os adotados em outros países.
É compreensível que seja menos viável incorporar uma tecnologia cara no Brasil do que em países mais ricos. Mas é estranho que, em alguns casos, as tecnologias avaliadas no Brasil sejam reprovadas sob a alegação de falta de evidências, quando elas já foram aprovadas por agências semelhantes à CONITEC em países desenvolvidos. Não estamos defendendo aprovações automáticas no Brasil pela simples razão de que outros países já aprovaram, já que a disponibilidade orçamentária é um dos fundamentos essenciais da ATS. O que nos causa estranheza é que haja discordância na análise de evidências científicas, as quais não têm fronteiras. Não se deve esperar que um produto para a saúde que teve suas evidências de eficácia e segurança reconhecidas por uma agência de ATS mundialmente reconhecida seja recusado pelo Brasil sob a alegação de que as evidências não foram suficientes. A ATS é a aplicação de ciência, e não um sistema de opiniões.
Em outros casos, o problema observado no Brasil é a defasagem dos protocolos de tratamento. Não raro, uma inovação está duas ou três gerações à frente da tecnologia em uso no SUS, o que causa: 1. obstáculos à prescrição pela ausência dos tratamentos que, por protocolo, se intercalam entre a inovação e as opções defasadas disponíveis no SUS; 2. Grandes saltos de custos de tratamento, já que as tecnologias defasadas geralmente tem preços bem mais baixos do que as inovações; e 3. falta de ensaios clínicos que comparem a inovação com o produto defasado. Estes problemas seriam minimizados se as diretrizes de tratamento do SUS fossem atualizadas mais amiúde. Na situação atual, algumas inovações que poderiam ser muito benéficas aos pacientes acabam não sendo incorporadas por tais obstáculos.
A falta de estudos clínicos de comparação direta geralmente é um obstáculo para a aprovação de alguns produtos para a saúde no Brasil. Por exemplo, em julho de 2022, um medicamento destinado ao tratamento de uma doença neurológica teve sua incorporação recusada pela CONITEC sob a justificativa de que as evidências apresentadas provinham de uma metanálise indireta que fora elaborada de forma inadequada. Ocorre que, há alguns anos, os mesmos argumentos levaram à aprovação desse medicamento pelas agências NICE do Reino Unido e CADTH no Canadá, que são dois exemplos de rigor metodológico na ATS. Adicione-se ainda o fato de que, sic, a incorporação desse medicamento iria promover redução de custos para o SUS, sem perda de qualidade de tratamento e com benefícios adicionais para os pacientes.
Enfim, o que queremos é trazer à tona uma discussão a respeito da necessidade de evolução constante e do aprofundamento de algumas questões metodológicas e políticas que ainda são pontos controversos para a ATS no Brasil.